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Poesia

domingo, 30 de setembro de 2018

Saudades e Devoluções

Arrumando minha estante de livros, acabei encontrando um pequeno livro de Contos de Eduardo Galeano, Dias e Noites de Amor e de Guerra. Em sua pagina inicial, me deparo com uma frase de minha autoria escrita nele, pois  um dia o livro fora um presente remetido a minha ultima bela recordação do passado, que acabou sendo devolvido por estas coisas que acontecem de fins fatídicos entre contatos humanos. A frase, marcada na folha com uma caneta de cor azul, apesar do garrancho crasso da minha escrita, era sincera e dizia isto: " A saudade por assim dizer,  das tristezas que nos acometem, a melhor. Acalenta-nos, anestesia e entorpece de vislumbres distantes únicos. Tal como colo de mãe, nos conforta das dores e dos desgostos do presente."

Esta frase me pegou desprevenido, assim como ter encontrado este livro novamente na estante. A frase me remete a saudade evidente, de tempos passados onde nas horas mais escuras acabava encontrando conforto em braços que representavam a minha maior fortaleza, de onde podia estar a salvo das dores de parto das ansiedades e dos velhos medos que me acometiam. 

Entretanto o livro também me desperta a memória de algo que fora rejeitado, retornado para devolução tal como correspondência que não fora entregue no endereço certo, um engano crasso. A simbologia e as ironias entre o que o frase aborda e o que significa o livro são quase uma piada de mal gosto, brincadeiras sádicas que as fiandeiras do Destino acabaram por tramar comigo.

A junção dos dois símbolos, livro e frase, reforçam para mim velhos sentimentos remanescentes. A maior das brigas internas, a frase de uma página do livro que não consigo concluir, literalmente. É cicatriz que não cessa de abrir a cada momento que paro de fazer algo, pois estar no ócio atualmente é praticamente deixar levar meus pensamentos nas origens da minha maior melancolia e arrependimento daquilo que por um momento era concreto, mas assim como tudo que é solido, acabou por se desmanchar no ar.

Para onde foi parar aquela serenidade em olhares de cumplicidade cuidadosa, de compreensão mutua, das teimosias ranzinzas e dos afetos acolhedores não sei bem, mas ficaram entre algum ermo distante do passado, entranhado e marcado na minha memória como ferro em brasa. A marca se torna um lembrete, ao mesmo tempo reconfortante e sofrido, e nisso acabo anestesiado pelas andanças da rotina. 

Assim posso seguir ao menos uma rota, em passos desajustados de quem esta reaprendendo a caminhar. Nestas passadas entre reconforto e sofrimento, a mescla de ambos sentimentos serve enfim como muleta, fazendo o presente estrada cheia de obstáculos para um futuro de perspectiva baixa comparado com um passado glorificado por paginas marcadas do saudosismo, em que por vezes alguma esperança reacende ao reler a página, sendo força contrária que persiste a não deixar a página ser passada adiante.

Quando acabo lendo o titulo do livro que fora devolvido, Dias e Noites de Amor e de Guerra, chego a esboçar um sorriso. Sorriso que poderia virar uma bela gargalhada de desespero, devido a representação do que Dias e Noites de Amor e de Guerra estão sendo atualmente conviver com batalhas de um conflituoso amor perdido. Os Dias e Noites de Amor tiveram seu fim, agora só resta a aurora de uma Guerra interna de mim comigo mesmo.