Somos reféns dos próprios sentimentos
desde os primórdios, perceptível até nos vestígios encontrados dos momentos em
que a humanidade passou a interagir e viver numa coletividade. Relatos da
convivência em que humanos estabelecem vínculos afetivos estão bem denotados
nas pinturas pré-históricas, que mesmo sendo as mais simplórias gravuras e
expressões artísticas, passam a sensação de como a humanidade enxergava e
sentia as coisas naquele recorte histórico. Nestes rastros deixados na origem
das ambientações humanas, vai percebendo-se a importância vital que temos por
natureza instintiva, de fazer-se simpático e bem quisto pelo semelhante,
fazendo que a afetividade e empatia tornar-se naquele instante a base da
construção do convívio humano enquanto um grupo social coletivo.
A passagem do estado natural de
"bicho" selvagem para a primazia da condição de raciocínio e da
formulação de pensamentos e ideias melhores refinadas foi ironicamente derivada
por emoções ligadas à afetividade com o outro, embora o senso comum considere a
questão do desenvolvimento intelectual humano ao oposto disto, e associamos as
emoções a traçso animalescos de nosso ser. O estabelecimento destas premissas
para a formação de relacionamentos humanos deriva então da noção de parceria,
companheirismo e amizade. No momento da primeira ação humana envolvendo troca e
ajuda mutua em alguma tarefa estabelecem-se laços de gratidão, respeito e
cumplicidade e nos damos conta de todos os traços e características positivas
destas vertentes, e o cotidiano em sua essência se torna muito mais suportável
perante suas mazelas torturantes do tédio e incomodações pessoais.
A solidariedade e preocupação para com o outro
é fator crucial no desenvolvimento dos alicerces da evolução do homem em
relação a tudo aquilo respectivo ao seu universo interno e externo. Entretanto
estas noções e raízes da gratidão e empatia reciproca e de se por no lugar do
semelhante agora está escassa, tal como água no deserto. Tomado de assalto pelo
um falso idealismo egoísta centrado no individualismo narcisista, a moderna
humanidade caminha na direção contrária da origem do seu próprio
desenvolvimento. Na autossuficiência e numa busca de ser imune e vacinado
contra a "selvageria" de afetos, as sensações de sentir e envolver-se
emocionalmente em qualquer ideia ou a mera possibilidade de sonhar é vista como
tolice, ingenuidade e desperdício de tempo, um empecilho e perigosa distração
no cronograma engessado do ciclo de nosso relógio.
Nesta filosofia da pós-modernidade, o
importante é extrair toda a sentimentalidade da essência que vigora no ser
humano e sua integralidade. Conceitos de planejamento preciso, sistematização
burocratizada numa hierarquia no modo de proceder nos atos de viver é objetivo
não para um processo dito
"civilizatório"(sic) mas sim de um plano de desumanização total lenta
e gradual. Esta meta está centrada na busca da automatização das vontades, um
controle total e repressivo muito bem disciplinado e aparado pelo medo,
anulando qualquer questionamento ou revolta contra isto, graças a uma doutrinação
sutil das ideias e ideais, sendo perceptível isto na condenação que se faz das pessoas que
vivenciam e sentem intensamente, dando a elas tratamento pejorativo e
preconceituoso.
Estamos na atualidade presenciando a
concretização de uma involução conservadora e reacionária, diminuindo o que nos
fez avançar como ser: as vertentes indecifráveis por qualquer calculo ou forma
exata das emoções e sentimentos. O plano atual é a criação de um novo homem,
semelhante a uma máquina com movimentação e programada para agir obedientemente
de cabeça-baixa e sem questionar o que lhe ordenam. O homem-robô é a meta deste
processo produtivo e nessa repressão aos afetos fica claro que o maior perigo a
esse sistema criado é um ser humano emocionado.
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