Ensaios

Crônicas de George

Poesia

sábado, 30 de novembro de 2013

Involução sem sentir

 Somos reféns dos próprios sentimentos desde os primórdios, perceptível até nos vestígios encontrados dos momentos em que a humanidade passou a interagir e viver numa coletividade. Relatos da convivência em que humanos estabelecem vínculos afetivos estão bem denotados nas pinturas pré-históricas, que mesmo sendo as mais simplórias gravuras e expressões artísticas, passam a sensação de como a humanidade enxergava e sentia as coisas naquele recorte histórico. Nestes rastros deixados na origem das ambientações humanas, vai percebendo-se a importância vital que temos por natureza instintiva, de fazer-se simpático e bem quisto pelo semelhante, fazendo que a afetividade e empatia tornar-se naquele instante a base da construção do convívio humano enquanto um grupo social coletivo.

 A passagem do estado natural de "bicho" selvagem para a primazia da condição de raciocínio e da formulação de pensamentos e ideias melhores refinadas foi ironicamente derivada por emoções ligadas à afetividade com o outro, embora o senso comum considere a questão do desenvolvimento intelectual humano ao oposto disto, e associamos as emoções a traçso animalescos de nosso ser. O estabelecimento destas premissas para a formação de relacionamentos humanos deriva então da noção de parceria, companheirismo e amizade. No momento da primeira ação humana envolvendo troca e ajuda mutua em alguma tarefa estabelecem-se laços de gratidão, respeito e cumplicidade e nos damos conta de todos os traços e características positivas destas vertentes, e o cotidiano em sua essência se torna muito mais suportável perante suas mazelas torturantes do tédio e incomodações pessoais.

 A solidariedade e preocupação para com o outro é fator crucial no desenvolvimento dos alicerces da evolução do homem em relação a tudo aquilo respectivo ao seu universo interno e externo. Entretanto estas noções e raízes da gratidão e empatia reciproca e de se por no lugar do semelhante agora está escassa, tal como água no deserto. Tomado de assalto pelo um falso idealismo egoísta centrado no individualismo narcisista, a moderna humanidade caminha na direção contrária da origem do seu próprio desenvolvimento. Na autossuficiência e numa busca de ser imune e vacinado contra a "selvageria" de afetos, as sensações de sentir e envolver-se emocionalmente em qualquer ideia ou a mera possibilidade de sonhar é vista como tolice, ingenuidade e desperdício de tempo, um empecilho e perigosa distração no cronograma engessado do ciclo de nosso relógio.

 Nesta filosofia da pós-modernidade, o importante é extrair toda a sentimentalidade da essência que vigora no ser humano e sua integralidade. Conceitos de planejamento preciso, sistematização burocratizada numa hierarquia no modo de proceder nos atos de viver é objetivo não  para um processo dito "civilizatório"(sic) mas sim de um plano de desumanização total lenta e gradual. Esta meta está centrada na busca da automatização das vontades, um controle total e repressivo muito bem disciplinado e aparado pelo medo, anulando qualquer questionamento ou revolta contra isto, graças a uma doutrinação sutil das ideias e ideais, sendo perceptível isto na condenação que se faz das pessoas que vivenciam e sentem intensamente, dando a elas tratamento pejorativo e preconceituoso.

 Estamos na atualidade presenciando a concretização de uma involução conservadora e reacionária, diminuindo o que nos fez avançar como ser: as vertentes indecifráveis por qualquer calculo ou forma exata das emoções e sentimentos. O plano atual é a criação de um novo homem, semelhante a uma máquina com movimentação e programada para agir obedientemente de cabeça-baixa e sem questionar o que lhe ordenam. O homem-robô é a meta deste processo produtivo e nessa repressão aos afetos fica claro que o maior perigo a esse sistema criado é um ser humano emocionado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário