Montevidéu, Republica
Oriental do Uruguai, 17 de Julho de 2022
“Oi mãe, espero que as coisas estejam bem por ai com você e
o pai. Adotei o envio de cartas para facilitar nossa comunicação e torna-la
mais pessoal, já que não confio mais em e-mails ou qualquer mídia social para
falar com vocês. Não posso ter certeza que você está sendo grampeada, afinal,
seu filho há oito anos é um terrorista subversivo procurado por crimes
hediondos em território Nacional brasileiro, principalmente o de pensar
diferente sobre a política vigente do pai da nação, excelentíssimo e
onipresente Aéreo Naves, que chegou ao poder graças a grande revolução “democrática”
iniciada pela revolta da massa frita com recheio de frango desfiado no outono
de 2013. Pensar que até estava empolgado com as manifestações no inicio, com um
sentimento positivo meu niilismo estava até diminuindo, comecei a crer numa
mudança real, na transformação da consciência do meu país, que embora hoje me
abandonou e me considera um traidor, ainda nutro certo sentimento por sua
cultura e a saudade da terra ainda se faz presente no meu ego. Mas confesso
mãe, que a maior frustração da minha vida não se deu quando levei o fora da
primeira namorada, ou quando descobri que papai Noel não existia, mas sim com
as faixas que percebi levantarem naquela marcha tão grande e ao mesmo tempo tão
vazia em Desterro: “intervenção militar já”, só para destacar a mais ridícula delas.
O frio aqui no Uruguai é tremendo nesta época do ano, mesmo
vivendo há oito anos aqui na em Montevidéu, o frio a beira do rio da Prata faz
meu queixo bater convulsivamente, e neste momento meus olhos marejam, pois esse
lembra do vento sul que batia e fazia a velha figueira balançar seus galhos na
Praça XV. Apesar disso, as noites aqui são gostosas e com aquele manto de lã
para nos aquecer, eu e Sofia podemos compartilhar bons momentos a beira do Rio
da Prata e suas aguas turvas reluzindo o luar, não igual à lagoa da Conceição é
claro. Lembro como se fosse hoje o dia em que a convidei para sair e penar para
ficar com ela pela primeira vez, e foram mais dois meses de ansiedade até
conseguir um momento para o pedido em namoro, naquela velha desculpa que seu
filho dava para sair com ela: tomar erva-mate no sol da tarde nas rendeiras. A data
eu nunca esquecerei, afinal, foi uma semana antes do AI-6, o trágico decreto que
separou seu rebento de seus braços, mãe.
Uma grande tristeza minha é saber que o Francisco não
conhece seus avós pessoalmente, apesar de que pelas fotos ele sabe os mínimos detalhes
de vocês, melhor até do que eu. Agora já com quatro anos, ele começa a fazer
perguntas incomodas sobre a situação dos pais, porque em casa fala português e
na escolinha tem que falar castelhano, ou os motivos para não visitar os avós
queridos ou. Não consegui conter as lágrimas ao leva-lo para o estádio
Centenário e ele me confessar que não torce pelo meu time, e agora é “hincha
Carbonero” como se denominam os torcedores do Penãrol. Chorei por perceber o
quanto minha vida estava mudada realmente, meu filho nunca será brasileiro, nem
saberá o que é ser um, pois seus pais já não têm mais o direito de o serem, e
aqueles que se designam como brasileiros são seres biônicos guiados a cabresto
por ideias torpes e totalitárias.
A vida aqui apesar da saudade é boa, entretanto é ela que
mais temo mãe. Tenho um medo de acabar definhando no saudosismo e na tristeza
de estar a milhas de distancia das coisas que mais prezava e da segurança de
conhecer cada característica peculiar das pessoas e do espaço do meu convívio.
Mais do que a liberdade de pensamento, perdi um pouco a vontade de viver, os
sonhos sobre a melhora das condições, o quebrar dos meus credos, a morte lenta
e a conta-gotas dos meus ideais, que foram pulverizadas por aqueles que se
denominam como os grandes paladinos da moral e dos bons costumes. Os relatos
que aqui chegam para nós é que se formam afastados das grandes cidades, campos
de trabalho forçados compostos em sua maioria por moradores da periferia em
serviço escravo, produzindo suco de laranja, etanol e é claro, a grande sensação
brasileira tipo exportação, o brinquedo da moda: a caxirola.
No mais, seu filho está bem mãe, ainda que com uma cicatriz
aberta no peito e um vazio devido a melancólica saudade da família.
Para minha querida protetora, um beijo é um abraço forte
De seu eterno filho Desertor.”
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