Trechos de um diário encontrado no casaco de um soldado francês
da primeira guerra mundial morto durante a Batalha de Verdun, em 1916.
“É Terrível esta carnificina desumana que se abate sobre
território sagrado da França. Alemães e franceses massacrando-se mutuamente,
jovens que já estão a lutar por muito tempo sem saber o real motivo desta
maldita guerra. Acostumei-me com o barulho constante das salvas de
metralhadora, dos rugidos da artilharia inimiga e das súplicas de meus
companheiros por uma morte quando jazem feridos ao chão, pedindo para serem
mortos e assim evitar o sofrimento torturante da guerra. Perdi a conta de
quantos soldados acabaram enlouquecendo nesta insana batalha, alguns viram
novamente crianças de berço, pedindo pelo abraço de sua mãe, outros tantos
acabam cometendo suicídio para aliviar a vista de tamanha crueldade que se faz
com o semelhante. Rezo constantemente para não pisar em uma mina a cada passo
dado em direção da trincheira adversária, nada é mais temeroso do que sentir
aquela explosão debaixo dos pés ao atravessar o arame-farpado, clamar por
proteção para não ter o crânio aberto com uma rajada de metralhadora ou não
virar poeira perante a explosão da artilharia alemã. Não sei mais o que
significa as palavras sono e descanso, permaneço em constante estado de vigilância
paranoica temendo um ataque de algum germânico na calada da noite, com sua
baioneta reluzente pronta a me apunhalar. Entretanto, mesmo entre os horrores
desta maldita guerra, existe algo em que consigo apegar-me para manter a
lucidez nestes momentos ingloriosos e definitivos: a lembrança dos olhos de Françoise.
De fato, é sua face que está cravada na minha memória a chama que me mantém
acesso aqui no fronte e me da esperanças de sair com vida deste inferno na
terra. Em meio a gritos de morte, chorume de corpos decompostos, busco o
conforto no passado que em meio a realidade do banho de sangue em que vivo, o
pouco tempo no Litoral da Normandia ao seu lado são a redenção de minha alma,
fragmentos na memória que dão alguma motivação para continuar lutando e
sobrevivendo em meio ao morticínio. O Frio rasga e dilacera meu peito nesta
causa irracional ao qual o governo nos chamou, para defendermos a pátria, mas
este frio não me maltrata mais que a distancia dos teus braços e seu frouxo
riso, a angustia que o pensamento de morrer aqui em meio a tiros e espíritos mutilados
pelos embates selvagens são acima de tudo, por crer que com a morte,
definitivamente jamais compartilharei de teus lábios novamente, ou das tuas
palavras suaves sobre como me enrolava ao tentar lhe despir por completo, ou
até mesmo das suas caretas de birra quando contrariada. Neste Inverno frio da
alma, teu calor é o que me falta acima de tudo, me apego na chance de voltar a tê-lo
para conseguir sobreviver a este matadouro de homens e ceifador dos sonhos. O
Pensamento de perder ao fim sua presença diante do meu corpo e alma é maior que
o medo da invalidez ou da morte no campo de batalha, nada é mais importante do
que sua aura para mim, que se dane a França, o estado, o presidente, a torre Eiffel,
Paris ou estes malditos comedores de chucrute do outro lado do Reno, são eles
que me privam de sua presença e dos fogos ardorosos de seus traços, do teu amor
revigorante e libertador, a minha redenção para os pecados cometidos na guerra.
Precisava realmente escrever sobre Françoise, o meu único motivo para manter-me
lutando, neste momento é o que acaba me concentrando mesmo com o aumento e a aproximação
dos canhões alemães, cada vez mais da para ouvir como se eles estivessem
prestes a cair ao meu lad.....”
Trecho em que o fragmento do diário termina bruscamente.
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