Ele tinha se acomodado destes ardores febris de amores típicos
da juventude, que nos arrebatam e botam abaixo, revirando os pensamentos e as
emoções como um tornado que devasta a planície. Evitava sentir estes sentimentos
peculiares, pois apesar destes serem únicos e especiais, quando acabava a
reciprocidade tornava-se um fardo pesado a carregar, um incomodo latente que
pulsava no tórax como se fosse um tumor de alguma enfermidade maligna, o
deixando com fios de vida terminal, como se apenas no auge do sofrimento esperasse
o fim para aliviar-se completamente da dor que o aplacava.
Tinha reservado o direito para si a partir das experiências passadas,
de aquietar-se dentro do seu casulo, escondido na proteção da casca, sem um
contato direto com o mundo. Gostava de estar ali, como uma espécie de tartaruga
dentro da carapaça, defendendo-se dos males do mundo exterior que sempre vinham
atormentar aqueles de excessiva lucidez e singular sensibilidade. Dentro de sua
armadura pretendia ficar um bom tempo se recuperando e evitando os dissabores e
prazeres venenosos da vida fora de seus domínios, infelizmente tinha chegado a
uma conclusão que não era mais novidades para os sábios antigos, aqueles que sentem
são os que sofrem, afinal das contas.
Mas o destino por fim adora fazer o seu jogo mais perverso
com os mortais subjugados a seus desejos e vontades mais egoístas. Quis ele que
o pobre mortal fosse novamente atingido pelo raio de um olhar mais uma vez, o
raio do olhar das descendentes de Afrodite, tão intensos e profundos que ardem à
alma de forma indescritível, consumindo-o em uma complexidade de sensações e o
deixando em um estado de perplexidade emocional convulsiva. Segundo os
habitantes da Ilha da Sicília, esta espécie de raio divino era o perigo que
acompanha a humanidade desde sua criação por deus, uma dádiva ambígua, pois
oferecia aos homens tanto a redenção quanto a destruição.
Não lhe restou alternativa a não ser buscar entender os
motivos por ter sido fulminado pelo raio e suas possíveis consequências. Este
não é como os anteriores (os raios a bem da verdade são raríssimos e por isso
merecem atenção rígida e totalitária), possui um semblante doce, que o envolve
num estado de leveza e bota em seu rosto um frouxo riso aparvalhado. Vai com a
cabeça fervilhando, com o sono alterado graças à lembrança e saudade do olhar
cabisbaixo, da timidez relapsa e de certa ingenuidade no falar sobre as coisas,
além é claro da voz suave que repete o seu nome, que ecoa dentro de si como os
sinos de um monastério antigo situado em alguma montanha distante da
civilização.
Agora estava inquieto, finalmente alguém o tinha tirado da
zona de conforto e o inserido novamente ao jogo dos afetos. Na verdade já estava
muito tempo assentado na cômoda posição de evitar-se envolver em emoções de
intensidade literal, pois mesmo sofrendo como Cristo na cruz nestas ocasiões,
para ele nada mais lhe dava prazer e plenitude do que sentir as coisas de um
modo completamente profundo e sublime, prostrar-se e admitir para si mesmo que
existe algo com uma causa de forma e meios inexplicáveis para o intelecto
humano. Um riso de satisfação maquiavélica e irônica percorreu sua face:
voltara a amar novamente fulminado pelo raio.
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