Observava ao longe as coisas, embora é claro com certo
ressentimento e saudosismo um tanto quanto melancólico. Ele queria entender os
motivos de não poder reagir frente ao passado que o comprimia na parede de tal
forma, que o aprisionava numa cela das emoções. Seu cárcere era peculiarmente confortável
de certa maneira, pois conseguia aliviar-se nos sons que remetiam a face
daquele ser que tanto o atormentava nos sonhos das noites enjauladas pelos
amargos choros do remorso sobre uma culpa em que não achava os motivos, e isso
o consumia aos poucos, exaurindo suas forças nesse questionamento espinhoso:
onde errou afinal das contas? Por que cargas D’água não decifrava o enigma de
fazer o papel de réu no processo do fim de um amor?
Bem da Verdade o que sentia era tão forte que tinha um
formato um tanto quanto opressor e repressivo, seguindo vontades próprias
envoltas numa implacável relação de forças desiguais: o mero servo, a monarca
déspota esclarecida, e o estado em certa medida totalmente absoluto. O servo, como a própria palavra sugere,
apenas serve as vontades, sua vida estava ali para prestar os mais variados
serviços emocionais. Estava submetido à ordem régia dos sentimentos e alienado
na ignorância do que sentia, não percebia os malefícios de sua situação frágil
e comprometedora, que ao menor estimulo que sua monarca dava se sentia o ser
mais sortudo da face da terra ao receber as migalhas de sua tirana.
Já a governante estava confortavelmente assentada na sua
posição de domínio, tranqüilizada na certeza de controlar como marionete seu
súdito da forma como bem entendesse. Era seu brinquedo preferido acima de tudo,
pois a diversão era garantida naquele ser que obedecia a qualquer mando e
desmando seu, chegando a se surpreender com a dócil lealdade cega do seu plebeu
ingênuo. Adorava essa sensação de poder total sobre a vida de outra pessoa,
sentia- se praticamente um ser divino, a enviada de deus e seus desígnios para subjugar
qualquer mortal a seus desejos como bem entendesse, e este servo em especial,
já que o tolo a glorificava de modo único, numa singularidade peculiar que
quase a arrebatou, chegando pensar que o
pobre vivente merecia um pouco mais por tal dedicação obstinada. Entretanto
como era de se esperar, cansou-se do divertimento raso que ele lhe dava, e
mandou o desafortunado servo ao exílio.
Pobre servo agora estava numa situação totalmente inglória
destas. Sem pátria, sem terras, sem sonho, sem governo e desprovido da atenção
do objeto de sua admiração e amor. Fora enviado para o limbo dos desolados por
aquela em que creditava ser a razão do seu norte existencial, e agora sem ele
estava sem um principio para qual continuar seguindo a lutar nesta morosa
realidade. Ali estava desprovido de um objetivo, pois agora teria que pensar
por si, e não obedecer a mandamentos de terceiros sendo que jamais teve essa
sensação, tanto que não sabia designar o nome para tal e foi buscar a razão da sensação
de estar num vácuo. E Foi por estes caminhos que entendeu o significado do
vácuo: livre, liberto, estava no estado daquilo que chamavam como liberdade.
Neste momento pelo que ouço de relatos vindos do exterior,
por outras terras assim descritas por viajantes oriundos da região onde o servo
esta exilado, ele parece estar mudado e desperto, iluminado por idéias próprias
e de sentido revolucionário. Dizem por ai que ele esta querendo insuflar as
coisas, fazer arder e desmoronar o estado absoluto da monarca, implodir por
completo o poder totalitário que ela tem e livrar o país totalmente da opressão
e das vontades individualistas da déspota narcisista. A Meta deste ex-servo
parece-me que ele mesmo traçou graças à liberdade que obteve: quer transformar
a governante totalitária em igual na guerra de poder do amor.
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