Ensaios

Crônicas de George

Poesia

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Abdicar



Pensava, tecia, refutava. Estava inerte ao passo que seguia as suas contemplações sobre seu próprio todo corrosivo. Ia perdendo-se em divagações ora vagas, por vezes conclusivas, mas ao final se tornavam reflexivas, cercadas pelos versos nada rimados nos vastos campos de maquiavélicas aspirações das vontades. Nisto tudo, uma tirânica sensação de desolação lhe consumia lentamente, nas ácidas certezas realistas, perambulava na busca de inconcreta clareza para o seu excêntrico querer, ia refinando os sentidos, abraçar de alguma forma suas implacáveis aspirações. Embora temesse certo apego ao desassossego, à causa dos trêmulos movimentos nervosos consistia no fato da dificuldade clássica de voltar a remoer sempre, causos passados, somando estes aos velhos vícios de vitimar-se repetidamente, o fardo pesador de oferecer-se como sacrifício, encarnar o martírio.

De fato, seu ego era anestesiado cada vez que prestava este papel de herói de uma tragédia grega, garantindo a salvação alheia ao sacrificar-se, legitimar as liberdades do outro ao se lançar a condenação do cárcere, acarretando na punição de reclusão ao oprimir seus sonhos. Inserido totalmente na contradição eminente, neste paradoxo de prender para libertar, na dicotomia confusa da curiosa sina de permutar sentimentos, categoricamente acabava sendo onerado nesta troca submetida: “sua dor, meu amor”.

Intrigante mazela de sua personalidade, gestos de abdicação em nome de um pressuposto bem comum mascarava o maior e pujante dos fatos, era pelo conforto dela à bem da verdade. Pelas vontades e desejos enraizados naquele ser, que revirava e jogava seu mundo em ciclos de crises. Cada ciclo destes era caracterizado pelas suas facilidades de reformar-se, tomar formas cada vez mais geniais de enredos densos, enveredando-o em causas extremamente sedutoras, para no fim causar as mais gloriosas destruições criativas. Para isso, bastavam apenas os sons de sussurros esquizofrênicos de um coração louco, e tal como Dom Quixote, vivia uma épica ilusão.

Quando finalmente percebeu estes históricos de frustrações, teve a noção amarga da origem dos traumas a muito amarrados excessivamente em seus braços, elos contumazes notados no sofrimento, o principio fundamental da apatia voraz que o devorava. A violência da sabedoria de conhecer a situação a qual estava inserido poderia parecer cínica e indiferente, mas carregava uma verdade arrebatadora, a ideia reluzente na mais sincera lucidez do viver. Seu primeiro e vital passo para compreender seu ambiente nas andanças errantes, era a necessidade de perder para encontrar-se.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Extrair



 Parece que finalmente no frigir dos momentos, o pensar demais lhe causou uma iluminação realmente positiva. O excesso de pensamentos que tinha quase sempre o importunava em demasia, transbordando seu ser em divagações melancólicas, negativistas, obscuras e obtusas, retocadas por uma sobriedade bucólica assombrosa, levando-se em fraquejo das vontades, prostrando-o a impotente figura derrotista. Tudo isso era o costume de seu viver, sobrevirá dai suas doses diárias das quimeras moribundas onde constava a extrema-unção dos sonhos almejados, praticamente um caso consumado.

O preço cobrado pelas absorções que adorava ter de conhecimento era de fato inglório. Na conversão desta em sabedoria, acarretava na infeliz convergência para uma veia reflexiva, dando certo caráter introspectivo ao seu cerne e o moldando a volta com tormentas sobre a própria incapacidade de reagir frente ao que se apresentava a sua frente, desesperava com sua impossibilidade de mudar radicalmente as coisas, dar a realidade outra perspectiva. Deparava-se então com um paradoxo do ser social, constatou a necessidade urgente de humanizar os humanos.

Cansado destas verborragias que aos quatro cantos se disseminavam nos discursos demagógicos acerca dos aspectos humanistas, os causos sobre amor, politica, espiritualidade já não o apeteciam mais. Estes rumos que arquitetavam os ciclos de viver e viveres de homens necessitavam serem podados de forma ríspida e precisa. Ai veio a sua iluminação dos fatos, apoderou-se das rédeas opulentas da ordem sistemática, forjou nas fornalhas de suas virtudes, o martelo com o qual rompeu as correntes que o prendiam à letargia do conformismo sobre a função de si e da vigência dos ciclos.

Nos relatos e prospectos sobre a carga gloriosa de lucidez que acabava de conceber, pode por fim regurgitar para fora todos os infortúnios que a muito entalavam e obstruíam o respiro e suspiros de sua natureza conflituosamente serena. Ao extravasar os próprios temores e aflições, foi de certa maneira, o ápice interno para a compreensão pessoal do modo como encarava e enxergava o “modus operandi” da vida, seu comportamento de internalizar o desconforto e as agruras era o que minava sua existência plena. Por seu comportamento brando em certas ocasiões, pagava o preço de brotar as dores alheias na sua raiz própria, martirizava as causas perdidas de outrem.

Dessa maneira, deu voz e razão ao aliviar-se das intempéries nocivas ao seu estado de abrandamento sofista, no regozijo que só o esclarecimento das situações as quais nos submetemos acarreta. Perseverou na empreitada dos raciocínios claros e abrangentes, estava satisfeito com as conclusões que acabou tendo como resultado da claridade por ter jogado luzes a ribalta dos desconfortos próprios. Um Fardo a menos tinha terminado, deixou este esvair-se na força do tempo, tempo que por mais corriqueiro e de senso comum, é na maioria inexorável das vezes, o melhor antidoto para certas chagas.

sábado, 18 de maio de 2013

Refugio Excludente



Um gosto amargo perpassava por seu paladar. Algo que outrora o fazia extasiar-se na imensidão dos acontecimentos agora caia por terra, definhando parcamente por meios distintos, mas que ao final das contas, terminava no mesmo abismo oculto da lucida imensidão do nada. Já estava farto dos infortúnios constantes e possessivos, eles sempre o levavam a fechar-se cada vez mais nas celas da senzala do mundo das ideias opacas e nubladas pelo véu das honestas mentiras e das boas causas outrora perdidas. Nestas divagações acabava se perdendo, ao passo taciturno típico dos que padecem por tomar conhecimento de determinadas verdades.

Incessantemente o passado vinha lhe cobrar certas dividas como os fantasmas de um conto de natal, assombravam e comprometiam suas metas futuras. Duvidava das próprias forças, dos sentidos aplacados nas aflições ríspidas e latentes, estas em que arremetiam nos vastos campos da reflexão. Perpassava por sua mente pensamentos se tudo o que lhe deixara com a velha sensação de vácuo no espirito abatia seu ego, tangendo nos meios profundos das prematuras concepções onde jazem suas duvidas na razão de ser e agir, a olhos vistos ia decompondo tortamente os alicerces, leviandades cometidas ao acaso de ocasião embutidas na incomoda sina de chocar-se eternamente na parede da indiferença.

Era arrancado da calma sensação do sossego, nos prantos que abrandavam sua alma tornavam-se matéria sólida no quesito realidade. Tateava cegamente buscando as causas e fatos, tencionava as mais variadas abordagens a sua causa própria, ocultando de si mesmo que ao final das contas zeradas, a retórica seguida consistia num fundo de enredo para o martírio heroico, apenas sobreviver não bastava, necessitava marcar seu nome, passar para a história, ser uma eterna lembrança nas memórias alheias, tornar-se uma lenda que passaria a viver nos contos e em suas páginas gloriosas.

Mas como todo ciclo tem seu fim, mesmo que este no fim seja apenas querelas e esgota-se até esfarelarem no mais escuro pó, eles encerram eras e se dá ai o desfecho final do enredo. É curioso perceber os métodos que peculiarmente cada individuo absorve estas idas e vindas do tempo, com seus custos cobrados singularmente pelas forças de ação e reação, coordenando as experiências sensitivas. Acima de tudo, ele resignou-se a aceitar os encargos agora recebidos, este seria o preço a pagar por seus designíos engendrados nesta busca pelo conhecimento da essência das coisas, a carga de loucura era o abono a ser carregada neste paradoxo de quanta maior lucidez, maior seria a aparente loucura.

Então foi dissimulando suas memórias, passou a maior parte do tempo decorrido divagando no extrato discernido das vontades. Na razão desconhecida, às vezes nada pode apresentar qualquer veia de racionalidade inteligível, ou mesmo aproveitar-se dela o mínimo necessário para uma compreensão dos fatos, desaparecendo das vistas como rastros apagados pelo imperdoável esquecimento. Foi se contentando com outro recomeço na carreira inabalável destas andanças presentes e futuras, ainda conservava em si fios de esperança onde poderia buscar refugio destas exclusões que por vezes a falta de um sentido norteador do espirito nos aflige.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Exilio



De tempos em tempos, afastava-se do convívio socializado, que tanto o atormentava das mais variadas formas, em aspectos mínimos ou máximos, levando a prantos raivosos, nas torpes e morosas indiferenças egocêntricas, estas que se aconchegaram comodamente na fisiologia humanoide, nestes momentos inglórios das grotescas cruzadas da história. Pensava por alto a si próprio as causas dos fins que o motivava a retirar-se da convivência dos seus iguais, justamente por perceber certas diferenças acachapantes entre ele e aqueles do meio ao qual estava inserido, na lógica perversa de hábitos viciosos.

Muito de si necessitava deste exílio voluntário, esquecer-se além das ideias pré-concebidas, na veia aberta em sentido lógico, difundir-se novamente ao absorver e deixar-se envolver por fluxos catárticos de ideais e emoções para manter novas concepções ao tudo e a todo. Nada de repetições do tédio mortal das rotinas desgastadas por nocivas convenções, reinventar nos ócios criativos da reflexão a partir da solidão, dar luzes a vivaz mente na quietude do silêncio, apaziguar a ansiedade hiperativa dos pensamentos, conceber após maquinar os raciocínios internos em novos achados por velhos caminhos.

Nada de termos surrados utilizados levianamente em linguagens usuais, taxar ideias como vis ou belas, enredos em densos ou rasos, transformar personagens em vilões sádicos ou nos divinos heróis, não é de certa forma pensamento dos idealistas e sonhadores, mas sim de realistas amargos extremados, onde tudo deve se ter uma oposição combativa e total, certas dualidades de sensações que agora já não contemplam as honestidades da vida, este caminhar dos novos rumos estavam fartos de pontos de exclusão precisamente cirúrgicos. Por fim a isso, convergir para o bem comum, tolerar as diferenças para igualizar direitos de viver, ter e ser.

Apesar destas razões portentosas, era acima de tudo, a memória dela que gerava a necessidade de recorrer à imensidão do deserto para esquecer momentaneamente dos traços suaves e marcantes que a partir dela emanava nos seus pensamentos, embaralhando subitamente o cérebro. No exilio acabava por esquecer-se das harmonias da face de sua alma, abolir mesmo que por ríspidos instantes, o som das promessas quebradas aos cínicos moldes de jogos de amor. A fuga do tabuleiro era plena nestes retiramentos além do nada, processando estas andanças numa espécie de libertação atemporal das chagas acalentadoras e dos venenos recorrentes a trágicos viventes.

Ancorado pela anestesia atestada nos homens exilados, a volta anistiada ao seu ambiente causava sempre a ele a parcimônia da estabilidade, a sabedoria da experiência mesmo que por vezes estas sejam duras. Confortava nestas plenitudes com vigor, outra vez tinha-se exaurido nas aflições e nestas aporrinhações das escaramuças com as lembranças dos designíos de afetos quebrantados, recompôs a sanidade pelo caminho do meio.

domingo, 12 de maio de 2013

Concreto Incerto



Recusava a negar as oportunidades perdidas, amargava um incólume remorso por deixar o cavalo acabar passando encilhado e ter deixado de montar-se e partido, para onde não se sabia, mas provavelmente a um local muito mais aprazível e edificante do que o atual. Abusou no passado de tolas brincadeiras malfeitas, em horas por ventura desnecessárias, e como sal em uma chaga aberta ardendo feito brasa, exalando um cheiro forte de um velho chorume lamentoso, ao passo em que perdia sabe-se lá onde, outrora as virtudes das índoles aprazíveis. Ele por fim acabou por construir sua própria sentença perpétua, aprisionado em seu calabouço sem fim.

Absorvia tudo que passava pelos neurônios, a conta-gotas ia tentando reverter as nuances dos momentos ditos e feitos, que de modo imperfeito, determinavam a situação atual ao qual o atrelava a profusas buscas pelo que nem ele sabia ao certo. Buscava encontrar ou consertar, absorto na crença de ter errado em certo ponto do caminho. Revirava-se nos lençóis da cama, em sonos irrequietos, sonhando com possíveis acontecimentos se remoendo, ter dado mais atenção aos breves detalhes, não ter deixado esvaírem-se ao vento outras concepções, por vezes acordava naquele tupor descontrolado, clamando por perdão ao desconhecido.

Nos traços até então desenhados, os rasgos do infortúnio que estava acometido aparentemente não lhe deixavam descansar as atenções, nem por instantes as ideias lhe arrefeciam a ânsia de estar enclausurado numa espécie de prisão das metas almejadas, estando rodeado por vultos que outrora eram seus sonhos e ideias, que agora jaziam acorrentados na parede pedindo clemência.  Tudo isso girava em torno de ter-se omitido na hora mais preciosa, em como o destino fora de praxe implacável, e, no entanto ainda ressoava para o tempo essa sensação de ser um criminoso ceifador da boa vontade o perseguia feito matilha de lobos no encalço da presa.

Tal ponto era o desespero em que se acometeu, que suas vontades mundanas humanas já tinham perdido o sentido, pequenos prazeres transformados em meras distrações indolor ou intransigentes, vagas atividades sem nenhuma utilidade especifica, tolas amenidades perfumadas, disfarçando o imenso vácuo que eram. O bem da verdade foi aos poucos retomando as rédeas destes entraves, cansou-se de relativizar estes incômodos de sempre, ficar eternamente sentado em cima deste formigueiro lamurioso nada acrescentaria ao seu modus operandi, tomou a decisão de sair rabiscando por outros muros recém-decorados, ainda cheirando a fresca tinta da imaturidade.

Entorpecido pela típica coragem que acomete os idealistas, foi vagueando em outras esferas de ações, verbalizando e proseando sobre formas e contornos dos próprios sonhos. A principio poderia pensar-se que novamente estaria caindo no vicio ingênuo do excesso de fé ou confiança nas mudanças provocadas nas novas ideias florescidas em seus pensamentos por alto, entretanto era exatamente esse florescimento a causa da súbita melhora dos ânimos e da ressureição da criatividade pelos atos sinceros. Nas suas causas ou motivos, em divagações profundas ou rasas, podia finalmente concluir que uma única certeza teria, tudo era concretamente incerto.