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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Prelúdio de Futuro



Montevidéu, Republica Oriental do Uruguai, 17 de Julho de 2022

“Oi mãe, espero que as coisas estejam bem por ai com você e o pai. Adotei o envio de cartas para facilitar nossa comunicação e torna-la mais pessoal, já que não confio mais em e-mails ou qualquer mídia social para falar com vocês. Não posso ter certeza que você está sendo grampeada, afinal, seu filho há oito anos é um terrorista subversivo procurado por crimes hediondos em território Nacional brasileiro, principalmente o de pensar diferente sobre a política vigente do pai da nação, excelentíssimo e onipresente Aéreo Naves, que chegou ao poder graças a grande revolução “democrática” iniciada pela revolta da massa frita com recheio de frango desfiado no outono de 2013. Pensar que até estava empolgado com as manifestações no inicio, com um sentimento positivo meu niilismo estava até diminuindo, comecei a crer numa mudança real, na transformação da consciência do meu país, que embora hoje me abandonou e me considera um traidor, ainda nutro certo sentimento por sua cultura e a saudade da terra ainda se faz presente no meu ego. Mas confesso mãe, que a maior frustração da minha vida não se deu quando levei o fora da primeira namorada, ou quando descobri que papai Noel não existia, mas sim com as faixas que percebi levantarem naquela marcha tão grande e ao mesmo tempo tão vazia em Desterro: “intervenção militar já”, só para destacar a mais ridícula delas.

O frio aqui no Uruguai é tremendo nesta época do ano, mesmo vivendo há oito anos aqui na em Montevidéu, o frio a beira do rio da Prata faz meu queixo bater convulsivamente, e neste momento meus olhos marejam, pois esse lembra do vento sul que batia e fazia a velha figueira balançar seus galhos na Praça XV. Apesar disso, as noites aqui são gostosas e com aquele manto de lã para nos aquecer, eu e Sofia podemos compartilhar bons momentos a beira do Rio da Prata e suas aguas turvas reluzindo o luar, não igual à lagoa da Conceição é claro. Lembro como se fosse hoje o dia em que a convidei para sair e penar para ficar com ela pela primeira vez, e foram mais dois meses de ansiedade até conseguir um momento para o pedido em namoro, naquela velha desculpa que seu filho dava para sair com ela: tomar erva-mate no sol da tarde nas rendeiras. A data eu nunca esquecerei, afinal, foi uma semana antes do AI-6, o trágico decreto que separou seu rebento de seus braços, mãe.

Uma grande tristeza minha é saber que o Francisco não conhece seus avós pessoalmente, apesar de que pelas fotos ele sabe os mínimos detalhes de vocês, melhor até do que eu. Agora já com quatro anos, ele começa a fazer perguntas incomodas sobre a situação dos pais, porque em casa fala português e na escolinha tem que falar castelhano, ou os motivos para não visitar os avós queridos ou. Não consegui conter as lágrimas ao leva-lo para o estádio Centenário e ele me confessar que não torce pelo meu time, e agora é “hincha Carbonero” como se denominam os torcedores do Penãrol. Chorei por perceber o quanto minha vida estava mudada realmente, meu filho nunca será brasileiro, nem saberá o que é ser um, pois seus pais já não têm mais o direito de o serem, e aqueles que se designam como brasileiros são seres biônicos guiados a cabresto por ideias torpes e totalitárias.

A vida aqui apesar da saudade é boa, entretanto é ela que mais temo mãe. Tenho um medo de acabar definhando no saudosismo e na tristeza de estar a milhas de distancia das coisas que mais prezava e da segurança de conhecer cada característica peculiar das pessoas e do espaço do meu convívio. Mais do que a liberdade de pensamento, perdi um pouco a vontade de viver, os sonhos sobre a melhora das condições, o quebrar dos meus credos, a morte lenta e a conta-gotas dos meus ideais, que foram pulverizadas por aqueles que se denominam como os grandes paladinos da moral e dos bons costumes. Os relatos que aqui chegam para nós é que se formam afastados das grandes cidades, campos de trabalho forçados compostos em sua maioria por moradores da periferia em serviço escravo, produzindo suco de laranja, etanol e é claro, a grande sensação brasileira tipo exportação, o brinquedo da moda: a caxirola.
No mais, seu filho está bem mãe, ainda que com uma cicatriz aberta no peito e um vazio devido a melancólica saudade da família.

Para minha querida protetora, um beijo é um abraço forte

De seu eterno filho Desertor.”

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